quarta-feira, 25 de março de 2009

Era uma vez....



Olha só o artigo que o Demian escreveu para o jornal da "Doc Dog", é longo, mas é lindo demais, vale a pena... E a foto incrível é da nossa querida amiga Thelma Vilas Boas.


No reino da gastronomia

“… e lá estava minha Rainha com seu lindo cabelo prateado. Ela abria as portas de seu reino, um elevador de madeira e metais dourados, com um grande sorriso e um abraço bem apertado para cada um: minha mãe, meu irmão e eu. E eles logo chegariam: primos, tias, tios, amigos e quem mais quisesse vir.

Um almoço especial nos aguardava… comida perfumada: alcachofras recheadas, brochette de frango com maça e bacon, coelho ao molho de vinho tinto e ameixas... a charlote russa.... pão italiano sobre a mesa...copos de cristais e uma garrafa de vinho com um guardanapo amarrado...a louça inglesa... a cozinha com aqueles aromas que só este reino tinha. Isso tudo porque era um tradicional domingo. Ela não preparava um almoço, isso era amor, carinho, atenção, generosidade infindável e vida... um momento que aguçava nossos olhares.

A mesa do jardim de inverno sempre com seus aperitivos e drinks... ameixa com bacon, queijos que nós crianças não comíamos, castanhas, o uísque que vinha dentro de um saco roxo e dourado, o preferido do nosso Rei, ao lado de uma balde de gelo. Era uma sensação de festa. De repente, a Rainha reaparecia da cozinha e anunciava: ”O almoço está servido”. Sorriso estampando, família reunida, amigos, comida, muita comida, mesa barulhenta. Ela estava feliz, morangos imersos em sua taça de vinho... Que mesa! Tantos almoços, festas e banquetes. Muitas risadas e carinho. A luz do sol já fraca ainda entra pela janela da sala de jantar, quase por do sol, e no último minuto alguém mais chega para se unir a nós. Todos felizes e alimentados... este é o meu reino da gastronomia....!”


Sim, foi com a minha avó, a Vó Tuna, que tomei gosto pela cozinha. Não somente pela cozinha, mas pela a arte de sentar-se em uma boa mesa. Pode parecer um pouco de saudosismo, porém não abro mão de uma comida de verdade que emocione, uma mesa sólida e posta como se tivesse visita em casa todo dia. Como é bom poder jantar olhando para seu prato, as cores e brilho de cada ingrediente e a boca já começa salivar.

Uma pena hoje termos perdidos o contato com o ritual de ceiar. Os comensais de ontem, hoje são apenas bocas matando a fome. Claro, o nosso dia-dia, a indústria alimentícia e os restaurantes mudaram. Dentro de casa, nós, os antigos comensais, esquecemos de sentarmo-nos a mesa, comemos anestesiados pela imagem da TV e com os celures a postos. Trocamos o convívio real pelo convívio virtual. Tempo para transformar alimentos in Natura em uma gostosa comida caseira é escasso, as horas de convívio dentro da cozinha e na mesa de jantar foram substituídos pelo mundo virtual dos bate-papos e Orkuts da vida. Corremos para a comida pronta, ensacada e lacrada. Só não se sabe que hoje o que é vendido nos supermercados é puramente sal, açúcar, amido, goma xantana, essências, aromas e gorduras transformados em potes de requeijão, molhos de tomate, sucos, sorvetes, embutidos, e pães.

E quando a proposta é nos prepararmos para comer fora nos deparamos cada vez mais com um serviço enxuto: toalha de mesa é algo raro, taças de cristal e talheres de prata só encontramos nas feirinhas de antiguidades. Damo-nos por satisfeitos com um jogo americano de papel com o logo do restaurante, talheres e taças marcados pelo tempo de uso e guardanapos de papel fino. Os cardápios nos deixam com água na boca e emocionados... consomé de carne e torrada de melba de bacon, foie gras de canard simplesmente “poché” ao pinot noir... risotto de caviar de berinjela sobre espuma de alho confit tostado...O prato chega e ao olhar bate aquela decepção, o caviar de berinjela é a semente da berinjela e a espuma realmente é só uma espuma! Sem falar no sabor que muitas vezes não emociona. Um amigo quando se empolga com a comida diz: Humm... que delícia, sabores! Como é bom sair de um restaurante e nunca mais esquecer aquele prato que comeu. Faz tempo que não me emociono. Não, mentira! Emociono-me com a conta, sempre de três dígitos!!!

E porque não voltarmos para a feira semanal de rua, a nossa cozinha, parar de investir em racks, home theaters e internet banda larga, comprar uma boa mesa de madeira maciça, cadeiras confortáveis, um aparelho de jantar e lindas taças, linho sempre é bem vindo e reunir nossos amigos e família para um jantar inesquecível. Vamos nos emocionar, sentir sabores, salivar, comer comida de verdade que enche a boca, viver no mundo da convivência real!


Demian Figueiredo
Chef de cozinha do buffet Les Amis e do projeto Les Amis De Portas Fechadas.

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